Com a tecnologia cada vez mais presente em nossa vida e no nosso cotidiano pode ser cada vez mais difícil não recorrer a elas quando achamos que temos necessidade e de perceber os efeitos adversos que as telas podem gerar.
Segundo os estudos que vem sendo realizados, os eletrônicos como as telas e os jogos possuem um impacto muito similar ao uso de substâncias como álcool, drogas e comida no nosso sistema de recompensa nos proporcionando prazer e alívio rápido de emoções desagradáveis, como também um efeito no nosso sistema nervoso.
Esse impacto intenso pode causar uma desarmonização em vários processos cerebrais e corporais que pode prejudicar algumas áreas psicológicas e comportamentais.
Para esse excesso de estimulação alguns autores deram o nome de Síndrome da Tela eletrônica, considerando como um transtorno de desregulação, que pode ser definida como:” a incapacidade de modular o humor, a atenção ou o grau de excitação de maneira apropriada ao ambiente da pessoa (Dunckley, 2019).
Síndrome é um conjunto de sintomas, que no caso são associados ao uso excessivo de telas, como:
Irritabilidade
Sono desregular
Insônia
Dificuldade de aprendizagem
Dificuldade de manter atenção e concentração
Ansiedade
Estresse
Criança pode ficar mais acelerada e se opondo mais.
Toda interação com uma tela independente do conteúdo pode causar essa hiperexcitação, deixando o sistema nervoso no modo de luta e fuga. Essa desregulação acontece em todas as pessoas, mas existe uma preocupação maior em crianças que estão no seu processo de desenvolvimento e não possuem a capacidade de autocontrole totalmente desenvolvida.
A autora cita como as telas e esses sintomas podem estar presente em outros diagnósticos acentuando-os, como autismo, tdah, bipolaridade, incluindo um novo diagnostico presente na 5ª edição do DSM: Manual de diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, que é o TDDH – Transtornos disruptivo da desregulação do humor.
Com o estresse repetitivo no sistema nervoso e a incapacidade de regulação emocional e controle do impulso normal da idade, as crianças ficam suscetíveis e não consegue ter uma autorregulação e manejo do estresse, o que pode ocasionar diversos sintomas e comportamentos.
Uma forma de combater os sintomas é com uma pausa no consumo de telas por algumas semanas, e caso se opte por reintroduzir que seja com cautela e com equilíbrio com outras atividades que possam estimular de forma saudável outros aspectos da criança, como brincadeiras mais lúdicas e ao ar livre. Dependendo da idade, é mais saudável nem haver a reintrodução, a sociedade brasileira de pediatria recomenda quantidades especificas para cada idade.
Algumas perguntas segundo Dunckley (2019) podem ajudar a investigar se os sintomas se relacionam com a Síndrome da Tela eletrônica:
A criança parece acelerada boa parte do tempo ou tem ataques de fúria por causa de pequenas frustrações?
A criança vem se tornando cada vez mais opositor, desafiante ou desorganizado?
A criança fica irritada quando lhe é dito que é hora de parar de jogar vídeo game ou de usar as telas?
Percebe que a criança fica muito atraída pela tela?
Sente que a criança não está tão feliz quanto deveria estar ou que ela não eta tendo prazer com atividades das quais costumava gostar?
A criança tem problemas para fazer ou manter amigos devido ao comportamento imatura?
As notas da criança estão caindo ou desempenho escolar está abaixo?
A criança parece estar com preguiça, pouca energia e pouca atenção aos detalhes?
Você descreveria a criança como estressada, apesar de haver pouco ou nenhum estressor?
As telas como os jogos e mídias interativas são mais estimulantes, mais envolventes e possibilitam um uso mais compulsivo, pois o controle está nas mãos da criança e a maioria dos conteúdos não tem fim.
Consequências da Síndrome da tela eletrônica:
Desregulação do sono:
As telas emitem uma luz azul e branca que causam um impacto na nossa percepção biológica sinalizando que estamos diante de uma claridade (dia) nos deixando mais ativos, o que a noite pode dificultar o nosso processo natural de redução da nossa atividade para dormir. As telas atrapalham a produção de melatonina que é o hormônio do sono liberado naturalmente em ambientes mais escuros.
O sono tem um papel importante na nossa vida, é durante o sono que nos recuperamos para o dia seguinte, regulamos os nossos hormônios e para crianças e adolescentes tem impacto no processo de crescimento e desenvolvimento.
Ajuda a regular o nível de cortisol responsável pelo estresse, e na consolidação da aprendizagem como memória. A desregulação pode afetar os níveis de serotonina que é hormônio do bem-estar e regulação do humor deixando a criança mais irritada e com mal-estar, baixos níveis de serotonina também estão associadas a depressão e agressividade.
Sistema de recompensa ativado:
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Temos no nosso cérebro o sistema de recompensa que é responsável por nos proporcionar momentos de prazer, a dopamina é o hormônio que sinaliza que algo bom vai acontecer, ativando o sistema de recompensa. Tem sido comprovado que as telas e os jogos principalmente ativam esse sistema, gerando o bem-estar quando consumidos.
Quando mais essas vias de recompensas são estimuladas, pode acontecer uma dessensibilização, sendo necessário cada vez mais estimulação para atingirmos os mesmos níveis de prazer, ou seja, mais tempo consumindo determinado conteúdo, o que pode gerar a dependência.
Por ser tão prazerosa e de fato trazer a sensação de bem-estar as telas são usadas como fugas para problemas, seja a criança dentro do seu contexto, ou os adultos, e com isso não há aprendizado de enfrentamento e regulação das emoções de forma saudável.
Estresse agudo e crônico:
Como já mencionado, as telas ativam o sistema nervoso, deixando a criança no modo luta e fuga de forma constante, podendo gerar um quadro de estresse crônico.
O estresse pode comprometer o funcionamento da memória e consequentemente da aprendizagem, níveis altos de cortisol que é o hormônio do estresse, pode aumentar o risco de ansiedade e depressão
Sobrecarga sensorial e de informação:
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Todos os componentes da tela como o brilho, gráficos vívidos, cores, movimentos rápidos, interatividade podem causar uma sobrecarga visual e hiperexcitação. Após uma exposição intensa, o cérebro pode sofrer uma privação sensorial, que com a queda da dopamina, pode gerar a irritabilidade na criança quando é retirada das telas.
Outra sobrecarga que ocorre é de informação e de estímulo, a criança fica atenta a tudo ao seu redor e os jogos também podem ter essa carga de estímulo, como se deixasse a criança no modo multitarefa que não é saudável, já que não conseguimos fazer duas coisas ao mesmo tempo, e manter esse comportamento em longo prazo pode gerar prejuízos na atenção e concentração. As informações podem estar sendo recebidas, porém não sendo processadas da forma correta, não gerando uma aprendizagem.
E o que se perde por estar em frente a uma tela?
Além de todos os malefícios que as telas podem trazer, é importante pensar no que a criança pode estar deixando de vivenciar por estar em uma tela. Não só tudo isso que foi falado é prejudicial, mas o tempo em si gasto na tela pode prejudicar outras vivências da criança.
Para o desenvolvimento saudável, as crianças precisam brincar ao ar livre, interagir com pessoas cara a cara, conversar, estimular a linguagem, conhecer objetos, estar entre as pessoas para desenvolver aspectos sociais como habilidades de comunicação, frustração, alegrias e tristezas. Precisam viver.
Em um mundo corrido como o nosso, nem sempre é fácil para quem tem filhos e precisa conciliar tudo, mas da mesma forma que existe uma preocupação com uma alimentação equilibrada, a preocupação com as telas também precisa começar a ser considerada.
Muitas vezes a necessidade da tela é mais do adulto, que no modo automático oferece como meio mais fácil de deixar a criança quietinha, mas se ampliar um pouco as ideias e usar a criatividade, outros recursos não tecnológicos podem ser inseridos no cotidiano atendendo a necessidade de todos.
Referência:
DUNCKLEY, V. L. Síndrome da tela eletrônica: prevenção e tratamento. In: ABREU. C.N.; YOUNG, K. S. Dependência de internet em crianças e adolescentes: Fatores de risco, avaliação e tratamento. Porto Alegre: Artmed, 2019.
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