Cada indivíduo possui uma personalidade, é o que nos faz ser quem somos, nossas características pessoais e experiências de vida nos constitui. Estudos vem mostrando que algumas características de personalidade podem se relacionar com o sentimento de solidão e o uso patológico de internet.
Formamos a nossa personalidade desde que nascemos, e tudo que vivenciamos contribui, como também o meio que vivemos e pessoas que nos cercam. Podemos definir a personalidade como padrões de sentimentos, pensamentos e comportamentos que são comuns de uma determinada pessoa, que pode ser diferente de outras, o que faz com que cada um dentro do seu contexto de vida e desenvolvimento formem personalidades diferentes.
Dentro da psicologia a personalidade é considerada com algumas teorias, mas trago aqui a teoria do Big Five da personalidade, os 5 fatores de personalidades que vem sendo estudado e é mais consolidado na literatura. São eles:
Neuroticismo: Possui traços ansiosos, preocupação intensa, instabilidade emocional, vulnerabilidade, falta de energia, mais tendência a baixa autoestima. Pode ser mais reativo ao estresse e evitação;
Extroversão: Tem mais propensão a ter mais energia, entusiasmo, busca de outras pessoas para socializar, assertividade, sente-se mais confortável nos seus relacionamentos, mais falante e com busca de intimidade, dominantes e comunicativos. Seu oposto é a introversão, pessoas mais fechadas e que não buscam tanto uma interação ou o fazem de forma mais limitada;
Abertura para novas experiência: Tem como característica a busca pelo novo, curiosidade, imaginação, tendências artísticas, flexibilidade de valores morais e sociais. Possuem comportamentos exploratórios e são mais criativas;
Socialização/Amabilidade: Faz parte desse fator, a gentileza, confiabilidade, generosidade, valorização do outro. Se refere a propensão de um indivíduo em acatar as ideias dos outros. As pessoas muito amáveis são cooperativas, receptivas e gostam de estar em ambientes sociais;
Conscienciosidade/Realização: Refere-se à organização, pessoa mais eficiente, responsável, confiável, planejador e persistente. Busca alcançar uma meta, motivação para o sucesso, se compromete e pode tender ao perfeccionismo.
Estudos vem mostrando que existem características da personalidade que podem ser mais preditivas ou protetores de alguns transtornos, comportamentos e sentimentos.
O neuroticismos por possuir traços mais ansiosos, preocupações e de instabilidade emocional tende a ser mais relacionados a transtornos afetivos, como depressão e ansiedade. Já a extroversão e conscienciosidade pode ser protetivo para os transtornos afetivos.
Uso problemático de internet pode se relacionar com fator de personalidade neuroticismo, pois as pessoas tendem a ser excessivamente sensíveis às relações interpessoais e a problemas sociais na vida real. Indivíduos com tipos de personalidade amabilidade e extroversão são amigáveis, sinceros, alegres e altruístas, têm boas relações interpessoais.
Personalidade de abertura demonstram gostar da fantasia, querer vivenciar coisas novas, curiosidade, e a internet e o mundo digital proporciona muito isso, sempre existem coisas novas para serem exploradas, inúmeras formas de criação, o universo digital por si só já pode ser visto como um mundo de fantasia, o que pode entreter as pessoas com essa personalidade, e fazendo com que tenham um uso excessivo da internet, mas não necessariamente patológico.
SOLIDÃO
Podemos definir a solidão como um sentimento de desconexão com o outro, uma falta ou insatisfação nas relações interpessoais, uma deficiência na rede de apoio, fazendo com que a pessoa se sinta isolada. Pode reduzir o funcionamento executivo do cérebro, dificultando o controle dos impulsos, rendendo-se a busca de prazer imediato, em vez de pensar em alternativas saudáveis. Indivíduos com diferentes níveis de solidão têm diferentes características de personalidade.
Image by Kleiton Santos from Pixabay
O ser humano possui necessidades básicas como afeto, valorização, pertencimento, e quando elas não são supridas podem desencadear sentimentos como solidão, inadequação, angústia, ansiedade, depressão, fazendo com que a pessoa se isole cada vez mais, pois não se sente confortável de estar com as pessoas. Todos nós podemos sentir solidão em diversos momentos da nossa vida, ninguém está livre desse sentimento, que pode ser desconfortável.
Pessoas com diferentes características de personalidade podem adquirir um uso patológico de internet por conta da solidão. O neuroticismo como fator de personalidade tende a levar o individuo a ser mais impulsivo e dependente, sentem emoções desconfortáveis e buscam escapar da realidade, buscando na internet um escape emocional.
Com o uso constante da internet para aliviar algumas emoções pode se tornar patológico, já que a tecnologia ativa o sistema de recompensa do nosso cérebro, proporcionando prazer em quem consome. Contudo, quanto mais a pessoa fica conectada, mais ela se isola das outras pessoas, não interage em espaços sociais, e consequentemente não amplia seu repertório de comportamentos e recursos internos para lidar com as emoções desconfortáveis e situações sociais, entrando em um círculo vicioso com a solidão e o uso da internet.
Estudos descobriram que indivíduos solitários são mais propensos a desenvolver o uso patológico de internet, e a solidão – como uma experiência emocional negativa – afetará o aprendizado e a vida individual. Extroversão, amabilidade, senso de responsabilidade e abertura não foram relacionados com solidão. Pessoas com personalidade de amabilidade e extroversão são menos propensas a se sentirem solitárias porque geralmente têm uma boa rede interpessoal e mais apoio social.
Apesar de poder surgir esse sentimento em qualquer pessoa, em alguns momentos da vida ela pode ser mais propensa a existir como na adolescência e na idade jovem adulta, pois os jovens estão em processo de descoberta de si mesmos, e buscando um lugar para se encaixar, e até que encontrem podem se sentir sozinhos. Por estarem em processo de desenvolvimento e maturação cerebral ficam mais predispostos a comportamentos impulsivos como uso de substâncias e de tecnologia.
Um dos motivos de muitas pessoas preferirem o contato pela tela, é que pode ser mais fácil interagir já que não estão cara a cara com uma pessoa, podendo esconder os "déficits sociais" que acreditam ter.
"Os individuos que têm dificuldade em localizar o "eu real" no mundo real, encontram um "eu real" no mundo digital" (Amichai-Hamburguer, Wainapel e Fox, 2002)
Como lidar com a solidão?
Como mencionado no texto, mais de uma característica e circunstância pode contirbuir para um estado de solidão de uma pessoa. É comum que ao entrar em um círculo vicioso de comportamento de evitação, se isolando e não interagindo com os outros, a pessoa desenvolva pensamentos e crenças negativs sobre si mesmo e o outro.
Identificar esses pensamentos e buscar estratégias saudáveis para lidar com as emoções desconfortáveis que surgem, deixando de evitar as situações e as pessoas, é um dos caminhos para lidar com a solidão.
Receber apoio e compreensão de quem está perto e o não julgamento também pode ajudar, encorajando a pessoa para que se exponha aos poucos, aprendendo a se sentir confortável com os outros, buscando lugares que façam sentido para si, interagindo com pesoas que gostam das mesmas coisas, e aos poucos ampliando seu repertório de comportamento.
Se sentir que não está conseguindo enfrentar e lidar sozinho (a), busque ajuda psicológica.
Referência:
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2. ed.– Porto Alegre: Artmed, 2008.
Mohan, Arya & Ravindran, Syam Kaithavalappil. (2020). Loneliness and Problematic Internet use among young adults. International Journal of Cyber Behavior, Psychology and Learning. https://doi.org/10.4018/IJCBPL.2020040102. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/341327848_Loneliness_and_Problematic_Internet_Use_Among_Young_Adults
Ka L, R E, K W, G J, Lje B. Associations between Facets and Aspects of Big Five Personality and Affective Disorders:A Systematic Review and Best Evidence Synthesis. J Affect Disord. 2021. Doi: 10.1016/j.jad.2021.03.061. Epub 2021 Mar 26. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33901698/
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